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Banquete de ossos secos

Foto do escritor: Rodolpho LoretoRodolpho Loreto

Rodolpho Loreto

Analista político, co-fundador do canal



Dentro da dita direita brasileira há uma estranha moda promovida por algumas pessoas em certos tipos de “debates” sem fundamento ou um propósito realmente sério. Alguns atingem facilmente a esfera do ridículo quando levantam temas abstratos e abrangentes como “ateus X cristãos”, “Estatistas X Individualistas”, “Conservadores X Progressistas” e assim por diante.


Recentemente alguém me convidou para participar de um desses “debates” com a proposta de ser uma rinha entre “Nacionalistas Tradicionalistas Brasileiros X Conservadores (liberais)” onde, pasmem, eu iria defender o conservadorismo britânico liberal. Segundo o autor do convite, o interesse de me envolver em tal evento veio após minha participação em um batepapo onde teria discursado em favor de pautas e ideias liberais-conservadoras.


É curioso um convite vindo logo após eu discursar por mais de uma hora sobre a necessidade de integrar nosso conhecimento, principalmente o imaginário, com obras autenticamente brasileiras que comunicassem nossos anseios com tudo aquilo já presente na cultura verdadeira e autenticamente brasileira, principalmente nas expressões religiosas que agregam o povo em torno de festejos tradicionais locais, procissões e feriados, algo muitas vezes ignorado completamente pelos ditos “conservadores” brasileiros muito mais preocupados em apenas absorver o pensamento importado de outros centros culturais.


Citei autores com João Camilo de Oliveira Torres, Machado de Assis e José de Alencar, compositores como Vila Lobos e José Maurício Nunes Garcia, obras e expressões artísticas das mais diversas e difusas para enfatizar o riquíssimo patrimônio universal presente na brasilidade e por vezes completamente negligenciado ou rebaixado. Tudo isso para o sujeito enxergar aqui uma defesa de ideias “neoconservadoras e liberais”.



Escrevi vários artigos onde aponto a crise da inteligência como o maior mal a ser combatido nos próximos séculos e o como tal indigência intelectual transformou-se em uma espécie de fermento para o exponencial avanço da anti-humanidade, cuja plenitude social repousa na realização dos desejos mais imediatos e fúteis tanto mais veneráveis quanto mais baixos e depravados.


A única forma de viabilizar tal subcultura é elevar ao patamar absoluto a mera impressão subjetiva do sentido adjunto da expressão do outro é determinado pela vontade em saciar o desejo de ver ou ouvir algo que eu desejo mesmo não estando presente naquele texto ou discurso ou em seu contexto, abdicando do sentido real presente no conteúdo original. Os debates propostos por Aristóteles e amplamente popularizados durante o período escolástico (alta idade-média), tinham como objetivo a solução de um problema real e objetivo por meio do confronto de hipóteses honestas originadas por dúvidas sinceras.


Não importava para Tomás de Aquino ou Boaventura quem estava certo ou errado, mas que a verdade brotasse para que a mesma pudesse ser reverenciada e compartilhada por todos. As disputas retóricas, comuns nos clubes de cavalheiros e sociedades secretas do Século XVII e XVIII, tinham por objetivo convencer um público já mentalmente fragilizado que seus discursos em favor disso ou aquilo eram o caminho da verdade a ser obtido pela razão mecanicista que enfatizavam os avanços matemáticos e científicos como o novo e absoluto caminho para a evolução humana.



A passagem do tempo nos mostra que demagogos foram cada vez mais privilegiados em detrimento daqueles que realmente desejam entender como as coisas realmente se apresentam na realidade e isso plantou sementes da perversidade intelectual que são colhidas agora, como ventos de malícia e brutalidade. Afetados pela ânsia de “ter razão”, muitos portam-se como hienas desesperadas em busca de uma carniça para achincalhar a reputação e devorar sua honra para depois praticar coprofagia intelectual com seus pares, arrotando um conhecimento corroído pela própria consciência desajustada. Evidentemente que o destino desse banquete de ossos secos não pode ser outro senão a eterna fome desesperada por uma falsa certeza adquirida no mesmo instante em que voluntariamente abdica-se imprescindível adequação do intelecto com a realidade. Assim, afastar-se da roda dos escarnecedores nunca me pareceu tão necessário quanto nesses tempos sóbrios à inteligência que vivemos. A solidão comedida da meditação das coisas mais relevantes para salvação de nossa alma e expansão do nosso horizonte de consciência são os dois únicos remos capazes de propelir o barquinho da nossa existência em sentido contrário à correnteza do rio da aprovação popular a empurrar seus navegantes em direção a cachoeira da perdição da alma. Silenciar e buscar a verdade para depois manobrar no rio caudaloso da vaidade. Essa é a missão do intelectual do Século XXI que realmente queira abraçar tal expedição perigosa.

 
 
 

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