
É preciso dizer não! O “não” não é óbvio: o não se ensina; o não é aprendido e apreendido. Uma pessoa que tenha sido criada ouvindo “não” não tem problemas com o não. Se quando você era pequeno alguém te dava não, você não vai ter grandes dificuldades quando a vida te der um não. Você pode não gostar, mas não vai se desesperar, não vai espernear. Você não vai desistir, mas não vai surtar!
Os nãos cansam, mas você superou os primeiros parágrafos, que estão cheios deles, e chegou até aqui. Superar os nãos. Por que não?????
Vamos entender algo: nosso cérebro é plástico, e há muito – mas muito mesmo – que ele aprende durante a nossa vida. Para algumas coisas, quanto mais cedo, melhor – e ouvir “não” é uma delas. Entenda: o processamento dos “nãos” não é óbvio e precisa ser ensinado.
Uma pessoa que naturalmente teve privações quando pequena aprendeu a lidar desde cedo com as negativas, que são bem óbvias para ela. O problema começa quando essa mesma pessoa se torna adulto e em função de possíveis fatores, não ensina o poder do “não” aos seus filhos. Que fatores seriam esses? Podemos citar alguns, combinados ou não.
I – Uma melhor condição financeira – e nisso eu incluo a posse de um cartão de crédito. Uma pessoa que ganhe dois salários mínimos hoje não vai pensar duas vezes antes de parcelar um smartphone em quatorze vezes sem juros para sua filha de dez anos de idade. Parece algo simples e sem impactos negativos, mas não é. Uma criança que tem tudo que quer começa a entender desde cedo que o mundo é uma fonte apenas de prazeres e satisfação – e se sentirá injustiçada ao receber… um não. Uma negação vai configurar, na cabeça dessa criança, futuro adulto, um ato de injustiça. Cena comum hoje: adolescentes dizendo que têm um direito quando o que ocorre de fato é que querem algo. É isso mesmo: uma vontade é percebida por eles como o direito a ter alguma coisa. Eles acham que vontade é direito. É assim que eles pensam;
2 – O desejo “Não posso deixar meu filho passar pelo que eu passei. Se eu não tive, ele vai ter!” Que perigo, papai! Que perigo, mamãe! Não façam isso. Você está ensinando seus filhos a pensar que o mundo gira em torno deles. Eu sei que a sua intenção é boa, mas o resultado pode não ser;
3 – Vaidade. Sim, vaidade! Você gosta de mostrar para os outros – e para si – que tem condições de dar presentes. Cuidado… Eu sei que é bonito e legal colocar uma televisão no quarto da sua filhinha de seis anos. É bom receber visitas e deixar que elas vejam um quarto de criança que se parece com uma suíte presidencial, mas cuidado… Você está perdendo uma ótima oportunidade de ensinar a essa criança a noção de regras e ordem! Eu sei que isso é chato de se ouvir, mas não menos verdade.
Perdoem, mas vejo pais e padrinhos em pleno subúrbio dando iPhones de presente para crianças. Qual será o resultado disso? Simples: reforçar visões distorcidas de mundo, criar crianças que acham que o mundo gira em torno de si, ajudar a escrever um dicionário que não conhece a palavra “não”. Isso por baixo...
Quer conhecer os efeitos da educação que uma criança recebe em casa? Dê um pulinho na escola. Adivinhem com quem temos mais problemas. Exato! Com João Vítor, João Pedro, Enzo, Camilly, Valentina e Brenda. O que todos têm em comum? Alguém dentro de casa que simplesmente não coloca limites, dá tudo que essa criança quer e que só faz elogios. Como assim? Elogio faz mal? Faz sim, se o elogio não vem dosado com alguns nãos. Em breve teremos um adulto que se acha a oitava maravilha do mundo, alecrim dourado, um sem-noção!
Me refiro aqui a crianças típicas, que não apresentam transtornos ou algo do gênero. Certo?
Bem. Meu dever aqui é sinalizar. O de vocês pais, família é educar. Beleza?
Até a próxima. Sim ou não?
Tio Ulisses.
Ulisses Araujo Silva é bacharel e licenciado em Letras (Português/Inglês) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, bacharel em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e também se especializou em Língua Inglesa/Linguística Aplicada pela mesma instituição.
Atualmente leciona Língua Inglesa para crianças do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental na Rede Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro
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